Você é quem você sonhava? #1 Vitória Martins
- José Felipe Vaz
- 3 de jan. de 2018
- 5 min de leitura
Nas próximas quatro semanas, a Focus irá liberar quatro conteúdos exclusivos no site. O conteúdo tem relação com a reportagem fotoperfil divulgada na edição 1 da revista. Com o nome “Você é quem você sonhava?”, conheceremos um pouco dos sonhos de quatro pessoas. A primeira delas, que abre a série especial, é a estudante Vitória Martins de 17 anos. Confira o texto abaixo.
No mercado dos desejos, só aceitamos
sonhos como pagamento

Pensamentos a mil, insônia e muitas horas de estudo. Se você se identificou com alguma dessas situações, provavelmente já passou pela experiência de prestar vestibular. E não são poucos os que já passaram, estão passando ou vão passar por essa vivência. Conhecido como maior vestibular do Brasil, o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) teve mais de sete milhões de inscritos em sua edição de 2017. A prova é a principal forma de ingresso nas universidades federais do país.
A pressão para passar no vestibular e entrar na tão sonhada universidade vem de todos os lados. Essa cobrança acaba criando, inúmeras vezes, ambientes de tensão entre o estudante e sua família, amigos, escola… Mas em uma situação de tanto estresse, é possível sonhar, aspirar a uma condição de vida diferente ou até mesmo realizar um desejo? O que se passa na cabeça de um estudante que está prestes a passar por uma das mais significativas experiências da sua vida?
Localizada a aproximadamente 330 km da capital paulista, Bauru possui pouco mais de 330 mil habitantes e também abriga o maior câmpus de uma das maiores universidades públicas do país, a Universidade Estadual Paulista - UNESP. Devido aos inúmeros cursos oferecidos pela universidade, várias são as opções de projetos paralelos as atividades curriculares. Dentre esses projetos estão os cursinhos populares, conhecidos por oferecerem ensino gratuito pré vestibular à população que não tem a oportunidade de pagar um cursinho em alguma escola particular da cidade. São os próprios alunos da faculdade que ministram as aulas.
Foi no campus da UNESP que a FOCUS conversou com a Vitória, uma estudante de 17 anos que irá prestar o vestibular pela primeira vez. Saímos de casa rumo à Universidade em um dia nublado - característica atípica da cidade conhecida pelas altas temperaturas e dias de céu limpo. A entrevista com a aluna seria no bosque da faculdade, um lugar com inúmeras árvores oriundas da preservação ambiental obrigatória pela instituição (as instalações das faculdades do campus estão localizadas em área de Cerrado e, portanto, devem ser preservadas). Após sairmos e nos depararmos com o tempo fechado, vem o sentimento de frustração: como seria preciso tirar fotos da entrevistada, o mau tempo poderia prejudicar o trabalho. Seguimos.
Ao chegar na Universidade, após algumas gotas da chuva, o mau tempo pareceu dar uma trégua. A previsão é de que não choveria pela próxima uma hora, logo teríamos o tempo necessário para realizar a entrevista. Um pouco nervoso por se tratar da minha primeira entrevista para a FOCUS, tento manter a calma e vamos ao encontro da estudante. Com um sorriso largo no rosto, responsável por levantar os óculos colocados sob as bochechas marcadas pelas “covinhas” e um cabelo enrolado envolto por um turbante, encontramos Vitória na frente da sala onde ela assiste às aulas do cursinho. A sala é caracterizada por sua enorme extensão. Só no cursinho popular onde Vitória tem aula, são cerca de 100 alunos por ano. A Universidade oferece mais dois cursinhos populares.
Após os cumprimentos, ela pergunta se uma amiga poderia nos acompanhar durante a entrevista. Respondo que sim, não haveria nenhum problema na companhia. Posteriormente saberíamos que a amiga em questão tem desejos de cursar jornalismo. Seguimos rumo ao bosque, a cerca de 100 metros da sala de Vitória. A entrevista acontece em Outubro, um mês antes da chamada maratona dos vestibulares, que é quando acontecem os principais vestibulares do país. É notável no rosto da estudante o semblante cansado, apesar de muito bem disfarçado pelo sorriso.
Começamos a entrevista. Pergunto para Vitória o que ela acredita ser sonhar. “Difícil”, responde ela antes de soltar algumas risadas. “Acho que sonhar é a gente pensar longe, nos anos seguintes, traçar uma meta de vida, traçar um lugar onde a gente quer chegar, algo que a gente quer conquistar”.
Mas, durante a vida passamos por inúmeras fases, a infância, a pré-adolescência, a adolescência…, e com as experiências vamos mudando nossas ideias e, sobretudo, nossas vontades. Quando pequena, a estudante disse ter pensado em ser muitas coisas. “Pensei em ser jornalista, bailarina, cozinheira, mas eu mudei muito”. Hoje, seu sonho é passar em uma faculdade de psicologia e quando questionada, ela responde com firmeza e sem delongas: meu maior desejo é passar no vestibular.
Segundo ela, o que mais afeta as decisões durante a vida não é só o amadurecimento, mas também um exercício de autoconhecimento, “[O que afeta nossos sonhos é] a gente se conhecer melhor, passar a entender mais as nossas vontades, descobrir as coisas que temos talento pra fazer, mas também as nossas experiências, porém a gente vai vendo que nem tudo é tão fácil assim”.

"As vezes os obstáculos são maiores do
que as oportunidades que a gente tem
para alcançar aquilo que queremos"
Inseridos em um sistema que desfavorece os mais necessitados, estudar em uma escola pública e sem a oportunidade de um curso complementar, passar no vestibular e frequentar uma faculdade pública torna-se uma realidade muito distante. Esse fato pode tirar vários dos sonhos de inúmeras pessoas. Mas Vitória mostra-se otimista: “acho que não perder sonhos, mas ter mais consciência de que não é tão fácil assim. As vezes os obstáculos são maiores do que as oportunidades que a gente tem para alcançar aquilo que queremos”.
Encaminhando a entrevista para o final, questiono se a estudante é hoje aquilo que ela sonhava ser antes - talvez essa seja a pergunta mais provocadora, por levar a um paradoxo entre presente e passado. “Não”, responde prontamente. “Eu queria ter alcançado muito mais coisa. Eu já queria falar uma outra língua, ser fluente no inglês, praticar um esporte, fazer mais coisas que eu gosto. Eu acho que estou muito presa nessa coisa de passar no vestibular, então esse ano eu deixei pra trás muita coisa que eu gosto”.
Mas Vitória diz ser feliz. “Eu sei que é uma fase. Apesar de estar cansativo, apesar de eu ter que deixar de lado um monte de coisa que eu gosto de fazer, uma hora vai acabar e eu vou alcançar aquilo tudo que eu quero e ai então eu vou poder fazer as coisas que eu tanto gosto”.
Ao final da resposta, agradeço pela entrevista. Tiramos as fotos (que você pode conferir na versão impressa da FOCUS) e partimos para casa. A estudante volta para sala onde suas aulas começarão em poucos minutos e durarão todo o período da tarde. No caminho, faço uma reflexão de alguém que já passou por uma situação parecida com a de Vitória e que hoje, mais maduro, tem aspirações diferentes das dela: sonhar é uma característica inerente ao ser humano, mas às vezes, alcançar um sonho pode nos custar muito. No calor do momento, pressionados, não pensamos muito. Mas fazer uma faculdade para, quem sabe um dia, conseguir um bom emprego, custa caro: para alcançar esse sonho, é preciso pagar com outros sonhos.















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